sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Silenciar?

CARTA ABERTA AOS MEUS EDUCANDOS

Eunápolis, 17 de Setembro de 2009.

Amigos, acabei de ser informado (22:05h) que dois professores de Porto Seguro foram baleados. Um morreu. Seu nome era Elisnei. (Caralhoooo... ele era cheio de vida. Tanta piada. Simpático. Inteligente. Amigo. Sabia muit matemática esse cara). O outro, o presidente da Associação dos Trabalhadores de Educação de Porto Seguro (ATEPS), Álvaro, cursou Letras na Universidade do Estado da Bahia, aqui mesmo em Eunápolis. Eleito para a ATEPS há pouco (10 de Junho), estava trabalhando muito pelos professores. Fazia tempo, muito tempo que não se via uma ATEPS tão atuante. Na vitória da chapa, Álvaro disse: "A entidade jamais será a mesma". No momento, Álvaro está hospitalizado, com uma bala alojada em sua cabeça.
Razão (meu Deus, existe razão?) para o atentado? Se existe alguma, parece-me que é o caso de os dois encabeçarem um movimento de greve, um movimento democrático e cívico que questiona os desmandos na educação do município de Porto Seguro, cuja adesão dos professores era expressiva. Este movimento questiona melhores condições de trabalho, plano de carreira, aumento real de salários, além da efetivação de professores que foram aprovados no último concurso do município.
Para que sintonizemos: professores foram contratados a despeito de um concurso vigente. Assim, durante as férias de fim de ano, a prefeirtura manda os professores embora. Não paga férias. Não assume folha de pagamento em Janeiro e a depender do início das aulas, nem em Fevereiro. O professor que deveria estar descansando para começar um ano em melhores condições, que deveria estar investindo em seu desenvolvimento intelectual, com tempo para leituras, por exemplo, vê-se obrigado a fazer "bicos" no fim de ano. Não à toa, colegas trabalharem como garçom em barracas de praia em Porto Seguro.
Em Julho (07/07), promotor de Justiça da cidade foi procurado pelos professores que questionaram essa contratação irregular. O ministério público detectou 320 contratações irregulares e determinou à prefeitura cobrança de multa de 5 salários minímos por dia pelo discumprimento da lei. Esta ação poderia, inclusive, levar ao pedido de afastamento do prefeito por improbidade administrativa.
Não quero ser leviano. Não posso, não devo acusar ninguém. Cabe à polícia a apuração, e dela devemos exigir empenho. Está certo que este caso não é da monta do assassinato de um Tim Lopes, do sequestro de um empresário do marketing ou de um Abílio Diniz. Está certo que não é um assalto num casarão de uma das tantas avenidas ricas de nosso país. Trata-se, na verdade, de uma emboscada covarde, na qual três homens tomaram a casa de Álvaro. Mandaram telefonar para ele dizendo que seu filho estava doente. Ao chegar em casa, acompanhado de Elisnei, tiros foram disparados contra o carro no qual estavam. Mais de quinze tiros.
Certo, pois, é professores foram vítimas de atiradores "profissionais" (se é isto é profissão?!). Certo é que estes professores representam o questionamento de tantos outros professores da Educação Básica (FUNDEB), que teve crescimento recente de 30%, ao passo que o salário dos professores continua inerte. Por que tantos alunos em sala? Por que "escolas" alugadas? Por que taxas de abando altas? Por que falta merenda? Por que faltam professores? Por que os professores não estão sendo qualificados para enfrentar os diversos problemas que se apresentam em sala de aula? Por que os educandos chegam ao final do ensino básico sem saber ler e escrever? Por quê? Por quê?
Certo é que pela segunda vez em menos de 10 anos, o município de Porto Seguro demonstra a vivacidade de seu coronelismo nefasto contrário ao lema: "Para a educação melhorar, todos devem participar" (segunda vez mesmo, ou já nos esquecemos daquele outro colega que questionava a educação na rádio para quem quisesse ouvir, e de repente sofreu um "acidente" de moto no retorno para casa?)
Caros alunos, estamos vivendo tempos de horror, de medo, de descaso. É a cultura do mandonismo. É o silenciamento. Querem nos silenciar.
Aliás, penso que um minuto de silêncio é bem-vindo. Não o silêncio que querem que façamos. Não o silêncio que oprime, que mata. Não o silêncio imposto pela elite - silêncio molhado de sangue - que teima em vender este país para o capital internacional, que teima em não colocar em prática a distribuição de renda e a reforma agrária, que teima em desumanizar sua população, que nega o grito dos excluídos e que, como estratégia para se perpetuar no poder, emburrece seu povo com uma educação de péssima qualidade, com uma educação tecnicista que malmente leva o sujeito (?) a marcar um "x" na alternativa correta do vestibular, que não provoca o pensamento, a reflexão, o senso crítico, a criatividade, a inventividade, a humanização.
Se tivermos de fazer silêncio, que seja aquele necessário para ouvirmos novamente a voz de Elisnei e de Álvaro. Minuto. Silêncio (ouçamos): "Justiça!", "Justiça!".

Alexandre Fernandes
Professor de Língua Portuguesa do Instituto Federal da Bahia
Em silêncio...

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